Na Terra dos Mortos que Vivem

Prentiss Tucker 

 

CAPÍTULO IV

 

DE VOLTA À TERRA UMA BONITA ENFERMEIRA

 

Urna sensação de queda; grandes massas escuras em redemoinhos, sentidas, não vistas; a impressão de estar indo disparado no espaço a urna velocidade vertiginosa, sozinho, a cabeça primeiro para baixo, quase impossível controlar o incrível mergulho, no entanto, não era desconfortável nem particularmente inquietante. Havia, sim, a curiosidade para conhecer o resultado desta excursão sem guia e precipitada, urna leve consciência de diminuição da escuridão e da velocidade, um aumento gradual de luminosidade crepuscular sem qualquer origem específica e nada revelando em particular. Eons de tempo passavam; urna aparição final do sol visto debilmente através das nuvens e da neblina, e, pouco a pou­co, a visão que se vai clareando. Muito tempo se passou e as nuvens tornaram-se mais leves e mais rosadas; urna lenta mudança final do sol na suave luz do alvorecer sobre um globo giratório in­candescente e as nuvens rosadas transformaram-se em um teto e paredes brancas. Nada mais era visível. Urna sombra projetou-se sobre a parede e dentro do raio de visão moveu-se o que pareceu ser a cabeça de urna jovem deusa que usava o quepe do uniforme da Cruz Vermelha.

Parecia-se um pouco com Marjorie... Quem era Marjorie? Fez um esforço para lembrar-se. O nome aflorou com facilidade, Marjorie... Marjorie... quem era Marjorie?

Quem era ele? Jim, Jimmie ... Quem era Jimmie? De onde veio? Um nome familiar! Eles chamavam-no Jimmie. Eles? Quem? Quem eram "eles"? Marjorie chamou-o Jimmie. Quem era aquela menina com o quepe da Cruz Vermelha, que se assemelhava um pouco a Marjorie? Ela havia parado e estava olhando para ele. Não, ela não era Marjorie. Marjorie era muito mais bonita e Marjorie tinha um brilho suave ao seu redor. Marjorie parecia estar muito mais viva que esta jovem e Marjorie brilhava, com luz própria. Esta moça não brilhava. Provavelmente não era sua culpa. Naturalmente, poucas pessoas podiam brilhar como Marjorie, ele sorriu.

Como foi mesmo que Marjorie havia chamado aquilo? Oh, sim, uma aura - aura.

A moça com o quepe da Cruz Vermelha estava sorrindo para ele agora, mas ela não brilhava como Marjorie. Mas, mesmo assim, ela tinha um sorriso doce. Parecia uma boa moça. Ele sabia. Mas ela devia brilhar. Ele ia falar com ela.

Uma enfermeira da Cruz Vermelha, ao passar por seus pacientes em seu turno, viu aquele soldado que não estava ferido, que permanecia inconsciente já há muitos dias, vítima de comoção pela explosão de uma granada e que não tinham conseguido acordar. Ao olhar para ele, ela ficou surpresa e alegre ao ver que seus olhos estavam abertos e que ele mostrava sinais de estar consciente. Ele olhava para ela e seus lábios começaram a mexer-se levemente. Ela aproximou-se, abaixou a cabeça até que seus ouvidos estivesse próximos aos lábios dele. Só assim conseguiu ouvir suas palavras, muito fracas.

- Você não está brilhando. Onde está sua aura?

A embaraçada enfermeira afagou suavemente sua testa, sentindo uma profunda pena por esta desamparada ruína humana, vítima da guerra. Os lábios dele movimentam-se novamente e novamente ela se debruçou para ouvi-lo.

- Desculpe-me. Foi um engano. Você a tem, sim.

- Tente dormir, agora, você está muito melhor.

Ela colocou sua mão sobre a cabeça dele por alguns momentos e, depois, como sua respiração normal demonstrasse que ele tinha seguido suas instruções, continuou sua ronda. Mais tarde, ao fazer seu relatório para a enfermeira-chefe, assinalou que o número 32 havia recuperado a consciência, mas estava, aparentemente, um pouco "fora", uma vez que havia feito perguntas sem nexo, como o por quê dela não brilhar e onde estava a sua aura.

- O que é uma “aura”? - ela perguntou à enfermeira-chefe.

- Parece que já ouvi esta palavra em algum lugar.

- Eu não sei, filha. Acho que tal coisa não existe. Ele só está fora de si.

Jimmie acordou de seu sono algumas horas mais tarde com sua mente bastante clara quanto a impressões exteriores, mas muito confuso quanto a outras coisas. Ele lembrou-se de sua experiência com o Sargento Strew , com o Irmão Maior e com Marjorie. Eram entidades vivas e distintas em sua mente e podia recordar quase todas as palavras, especialmente as de Marjorie, mas como aconteceu dele estar aqui e onde era "aqui"? Lá não havia hospitais, no sentido próprio da palavra, mas ele estava em um hospital. Além disso, a enfermeira andava, não deslizava, e ela não tinha aura, embora ele se lembrasse vagamente de que quando ela se debruçou sobre ele, no momento em que acordou pela primeira vez, ela tinha tocado sua testa tão delicadamente que lhe parecia que ela brilhava - sim, ele lembrava-se que, de repente, ela ficou envolvida por uma nuvem púrpura clara. Ele lhe havia dito algo naquele momento, mas, agora, não conseguia lembrar-se o que foi. Não se importava. Era suficiente estar deitado aqui, quieto, não pensar em nada -pelo menos em nada mais do que o necessário. Este lugar podia ou não, ser o céu mas com certeza era muito confortável.

A enfermeira parou novamente ao seu lado. Ele sorriu-lhe, sentindo-se confortável e totalmente satisfeito por poder fazer mais do que sorrir. Mas ela era uma jovem competente e não aprovava o fato de enfermeiras sorrirem para pacientes ou pacientes sorrirem para enfermeiras. Ela queria saber como ele se sentia, qual sua temperatura, e levantá-lo um pouco, de maneira bem delicada. Ele não se importou com essas atenções. Quem poderia ficar aborrecido com a atenção de uma deusa? Agora que ele estava em posição melhor para falar, ia descobrir onde estava. Iria agir diplomaticamente, de maneira que ela não percebesse o que ele estava tentando descobrir. Falou-lhe e ela ficou contente ao ouvir sua voz muito mais forte.

- Por que você não desliza?

Coitado! Sua voz estava mais forte mas evidentemente sua mente continuava divagando. Mas, muitas vezes, pode-se conseguir bons resultados levando estes casos na brincadeira. Então, ela respondeu:

- Você não sabe que não nos é permitido dançar aqui e, além disso, ninguém desliza atualmente. As únicas danças que temos são a valsa e dois ou três outros passos, mas deslizar está fora da moda.

Ele olhou-a atônito. Talvez não fosse o céu. Talvez fosse... não... não podia ser. Seu rosto era muito suave e ao mesmo tempo saudável.

- Diga-me... fale...

Ela debruçou-se, plena de compaixão à visão daquele homem tão forte, deitado ali desamparado, sem esperança, aguardando alguma revelação piedosa que o orientasse na conturbação de sua mente.

- Onde estou?

A mudança repentina de sentimento foi demais para ela, que riu francamente. Quando parou de rir, o suficiente para falar, respondeu sua pergunta.

- Você está no Hospital Americano de Paris, França, e é evidente que está muito melhor, isto é, tudo menos sua gramática.

Outra vez, ao observá-la, ele viu aquela onda de cor envolvendo-a com um esplendor de luz púrpura e ele não precisou de palavras para compreender que embora ela não deslizasse nem soubesse o que era aura, mesmo assim era uma verdadeira irmã; era um daqueles serem compassivos que dedicam sua vida ajudando os outros, como o Mestre o faz.

Sabia, embora não atinasse como o sabia, que esse brilho vibrante, esse suave resplendor não pode ser imitado por nenhuma arte, nem por talento, conhecimento ou poder, por maior que seja. Nada pode reproduzí-lo a não ser a pureza, a bondade, o amor e o serviço. Assim, contentou-se por um momento, recostou-se em seu travesseiro e dentro de alguns momentos estava adormecido.

Só acordou no dia seguinte, desta vez com a posse total de seus sentidos e memória, e quando a enfermeira de rosto bondoso e da linda aura fez sua ronda, ela deparou-se com um olhar de total reconhecimento, o que a fez reparar, de imediato, que a mente de Jimmie estava totalmente restabelecida.

- Bom dia - ela disse sorrindo - como vai meu paciente com comoção por explosão, esta manhã? Ainda sofrendo de distúrbio gramatical?

Jimmie ostentou um largo sorriso.

- O que eu disse a você ontem?

- Oh, nada de mais. Você estava naturalmente um pouco transtornado, divagava, e pronunciou algumas coisas estranhas. Perguntou por que eu não dançava, e onde estava minha aura, e por que eu não brilhava. Aliás o que é uma aura? Existe isso, ou você inventou essa palavra?

- Acho que não posso explicar exatamente o que é uma aura. Ouvi a palavra e suponho que sei o que ela significa. Tentarei transmitir-lhe isso.

Três dias mais tarde, Jimmie pôde sair para um passeio. Sentia-se praticamente bem e com muita fome, mas teve que prometer que, se lhe fosse permitido sair, não poderia comprar nada para comer.

- Não sei se posso confiar em você ou não - o médico havia dito - acho melhor a Srta. Louise ir com você.

- Também acho - disse Jimmie pensativamente - Seria realmente muito melhor.

A Srta. Louise não pareceu contrariada por essa pequena saída quando o médico perguntou se ela poderia levar seu paciente para um passeio. Na verdade, ficou muito orgulhosa em poder acompanhar aquele jovem e alto tenente em seu uniforme recém limpo e passado, do qual qualquer vestígio da lama da trincheira havia sido removido na lavanderia do hospital.

- Para onde vamos? - ela perguntou ao saírem dos portões do hospital.

- Você sabe onde fica a Rue de la Ex?

- Não, mas podemos perguntar.

Perguntaram. Ele perguntou no melhor francês de trincheira e ela perguntou um pouco hesitante em seu encantador sotaque e com um fascinante levantar de sobrancelhas, mas nenhum dos dois pode entender as respostas que obtiveram. Elas estavam envolvidas por tal torrente de palavras e gestos, que não lhes ajudaram em nada.

- Eu sei qual é a dificuldade - disse Jimmie depois que o oitavo ou nono francês os havia deixado numa confusão de gestos e levantar de ombros.

- Oh, o que será? Estou humilhada com o meu francês.

- É sua culpa.

- Minha culpa? - suas sobrancelhas levantaram-se em um arco encantador - Por quê?

- Bem esses parisienses olham para você, ficam tão entusiasmados que não podem falar direito. Não os culpo, também.

- Oh, gostei disso! Sou tão feia assim?

- Não disse que você era feia. Disse que eles olham para você e ficam nervosos.

- Bem isto é o mesmo que dizer que sou feia. Obrigada, tenente James Westman pela sua agradável opinião.

- Fingida.

- O que você quer dizer com “fingida”?

Jimmie percebeu seu erro e ficou com medo. Não havia percebido o quanto a boa opinião dela significava para ele e agora que ele estava em perigo, ficou realmente nervoso.

- Sabe, Srta. Louise, o que quero dizer. Se ainda não sabe vou lhe dizer. O que quero dizer é exatamente isto... Ouça! não vai ficar brava se eu lhe disser?

- Já estou brava agora - bastante brava. Você disse que sou tão feia que ninguém olha para mim sem ficar nervoso.

- Não, eu não disse isto, e eu vou dizer-lhe agora, não importa se você vai ficar brava ou não. O que eu quero dizer é que você é tão bonita que quando alguém olha para você, fica naturalmente...

- Naturalmente, o quê?

- Naturalmente perde a cabeça. É isto. É exatamente isto que acontece comigo todas as vezes que olho para você. Agora fique brava, se quiser.

Silêncio.

- Você está zangada?

Mais silêncio.

- Está?

Ela desviou a cabeça, mas ao inclinar-se para ouvir o que ela dizia, pareceu perceber as palavras:

- Não muito.

Era da natureza de Jimmie deixar-se levar pelo entusiasmo quando estava muito interessado em um assunto, e agora acontecia exatamente isso.

- Vou contar-lhe mais, pode ficar brava, se quiser, o quanto quiser. Sei que não tenho o direito de dizer, mas eu acho isso e digo que você é a moça mais bonita, mais suave, mais simpática e mais querida pessoa na... na...

Antes que a memória de Jimmie projetasse a figura daquela outra jovem que dançava, flutuava, deslizava, brilhava, a dourada Marjorie, a Marjorie de voz suave, ele hesitou ao falar. Ele estaria certo? indagou-se. Sua consciência o punia um pouco. Era certo sentir amor por duas mulheres? Ele hesitou.

- Na França - concluiu vacilante.

Louise percebeu a hesitação em sua voz. Não sabia se estava apaixonada por esse homem ou não. Não tentara analisar seus sentimentos mas achava que ia receber uma declaração e ficou desapontada. A hesitação em sua voz foi algo que estava em desacordo com suas expressões iniciais tão inflamadas e elogiosas e, embora não entendesse completamente, só podia encontrar uma explicação, a mais comum. Com certeza ele tinha uma noiva em seu país. Suavemente ela libertou-se de sua mão e virando-se em sua direção disse:

- Eu... eu... acho que é melhor ir agora Sr. Westman.

Havia apenas um leve sinal de embaraço em sua voz.

- Louise! Oh Louise! Não pense isso de mim. Sei o que está pensando, mas é tudo um erro, querida. Você não vai me escutar?

Ela vacilou, intrigada pelo fato dele querer namorá-la tendo uma noiva na América, mas, ao mesmo tempo, não queria colocar um ponto final em tudo antes de estar segura de que não estava equivocada.

- Pois bem, Sr. Westman, o que você quer dizer?

- Que você é a mais linda moça do mundo.

- Da França, você quer dizer?

- Não, do mundo todo.

- Você tem certeza? Você não quer dizer da França?

- Não! Tenho certeza e reafirmo: de qualquer lugar.

- E aquela moça em seu país?

- Não há nenhuma!

Ela olhou-o pensativamente à princípio, depois com um toque de ironia no seu olhar. Ele percebeu isto e compreendeu que a sua situação era desesperadora. Como um raio de luz, isto o fez perceber que estava apaixonado por esta moça e que não poderia perdê-la. Ele não podia perdê-la.

- Então, por que você gaguejou?

- Vou explicar e você vai compreender tudo. Por favor, escute-me.

- Estou escutando agora, mas não estou ouvindo muito bem.

- Eu posso explicar tudo enquanto voltamos.

- Oh, eu não sei, Sr. Westman, eu não tenho certeza se quero perder tempo com coisas que precisam ser “explicadas”. Acho que já está agora suficientemente forte para cuidar de si próprio, e como tenho uma incumbência que quero fazer, vou deixá-lo aqui pois preciso apressar-me.

Ela deixou-o apesar de seus protestos, e desceu uma rua lateral enquanto Jimmie parado na esquina, olhava-a na esperança de que ela pudesse arrepender-se e olhá-lo novamente. Mas esperou em vão.

Com tristeza, retomou ao hospital. Não havia nenhum outro lugar para ir. Não tinha disposição para visitar um clube ou ir à A.C.M. - Associação Cristã de Moços, pois estava muito magoado e triste para misturar-se com um grupo de soldados. Só queria ficar sozinho e pensar em alguma coisa que dizer a ela para que mudasse seu modo de pensar. De repente, as palavras do Irmão Maior vieram-lhe à mente.

“Sua introdução às coisas espirituais verificou-se de maneira incomum, mas isto não foi um presente, pois você conquistou esse mérito e será seu dever trabalhar dez vezes mais de agora em diante. “

Ele viu então que havia esquecido totalmente sua promessa e o grande trabalho, qualquer que este fosse, estava contido na palavra “dever”. Encontrava-se, de alguma maneira, indiferente e descuidado em relação às experiências maravilhosas, como se houvessem sido um sonho. Havia saído para procurar o endereço dado pelo Irmão Maior, mas, tranqüilamente, havia deixado tudo para tentar namorar uma jovem!

Oh, mas era uma moça tão bonita! Assim ele se justificou. Isto era, sem dúvida, uma complicação. Estava amando duas moças, ambas lindas e doces, encantadoras, mas uma na terra e uma no... no..., vamos dizer no Paraíso. Só podia casar-se com uma. Será que isto ofenderia a outra? A Louise acreditaria nele quando ele lhe falasse sobre seu outro amor, será que ela teria ciúmes? Supunha, pelo menos esperava, não lhe ser indiferente, mas uma história como essa seria difícil fazê-la acreditar.

Oh! um pensamento pegou-o de surpresa. O Irmão Maior poderia resolver este problema, se é que esse ser existe realmente. Não estava certo se acreditava em sua memória ou não. Se ele próprio tinha dúvidas, como esperar que Louise acreditasse em suas palavras? Existia um Irmão Maior ou a sua grande aventura tinha sido outra nuvem de matéria da qual os sonhos são feitos? Tolo! Havia provas - provas concretas - se ao menos ele pudesse encontrá-las - provas que convenceriam até Louise, não importa quão cética ela fosse. Eis aí! Ele testaria seu sonho e provaria o que o próprio Irmão Maior havia sugerido, e ao fazer isto estaria provando, ao mesmo tempo, para si próprio e para Louise.

Algumas crianças francesas, que estavam brincando na rua, ficaram surpresas ao ver um tenente de “Os amigos” caminhando lentamente na calçada e, de repente, começar a correr como se sua própria vida dependesse de sua velocidade.

Louise ainda não havia retomado ao hospital e Jimmie viu-se obrigado a entreter-se no portão, sem nada fazer, mas decidido a não perder a oportunidade de falar-lhe. Sentou-se à sua espera.

Louise aproximava-se, sentindo-se arrependida por sua demonstração de temperamento. Apesar de tudo, Jimmie estava sofrendo de comoção e tais pacientes nem sempre são responsáveis por suas ações. Seu passeio vigoroso sozinha, fez-lhe bem, e a circulação estimulante a que foi induzida tomou-a mais caridosa, tirando algumas teias de aranha de seu cérebro, e também lhe trouxe cor a seu rosto, embora naturalmente, ela não se apercebesse do fato.

Jimmie pulou de sua cadeira quando a viu, ou pelo menos, ele teria pulado se pudesse. Devido às circunstâncias, ele levantou-se o mais rapidamente possível e foi ao seu encontro. Se existem ou não certas coisas como auras ou se Louise reconhecesse uma ou já tivesse visto alguma, o fato é que antes que Jimmie pudesse proferir uma só palavra, ela sabia que não havia nele nenhum átomo que não estivesse vibrando de desculpas e perguntas; parecia-lhe, um cachorrinho brincalhão, adorável, tentando a todo custo, agradar. Como poderia recusar-se a falar com ele por alguns minutos? Não é evidente que escutaria o que Jimmie tinha para lhe dizer, embora tivesse que ser rápido porque seu turno começaria dentro de meia hora.

Jimmie já havia decidido que a única maneira era contar-lhe exatamente como os fatos se passaram, por isso, levou-a para um pequeno jardim onde um parque de recreação havia sido preparado para os convalescentes do hospital, e aí narrou-lhe inteiramente a história de sua aventura desde o momento em que se encontrou andando da colina até, como último ato, acordar no hospital. Ela ouviu com interesse, especialmente quando ele falou de Marjorie.

- E agora você entende - ele explicou - como é importante que eu encontre aquele endereço, pois, se esta rua e este número existirem e se há um homem chamado Campion morando lá, então, tudo que lhe contei é verdade e ele poderá ajudar-me convencendo-a de que esta experiência é verdadeira.

- Não há necessidade disso, Sr. Westman, porque se as coisas que me contou realmente aconteceram ou não, isto não afeta sua autenticidade. Acredito em todas as palavras que disse e acho tudo maravilhoso. Como gostaria de ver essas lindas cores das quais você descreve. A Marjorie, também, ela deve ser encantadora!

O coração de Jimmie palpitou violentamente como a alegre revelação que ela acreditava em sua história e, conseqüentemente, o perdoava por sua lealdade a Marjorie. Era evidente que Louise não acreditava na veracidade de seu relato, mas devido a maneira tão intensa e séria com que ele havia narrado suas experiências, embora ela considerasse toda a história fruto de imaginação ou resultado de um cérebro que está sofrendo de comoção, ela estava firmemente convencida de que ele acreditava no que dizia. Isto era o que lhe importava, pois explicava sua hesitação e seu amor por outra jovem além dela, fato que de maneira nenhuma, poderia perdoar não fosse a outra moça uma criatura meramente imaginária que não existia na realidade.

- Louise! Diga, Louise!

- O que?

- Como estou contente por ter tido esta conversa com você. Sabe que eu temia que estivesse zangada comigo.

- Eu estava. Achei que você queria passar o tempo comigo aqui, ao mesmo tempo que tinha outra namorada na América.

- Eu não a culpo. Mas agora que sabe de tudo, você me perdoa, não?

- Mas, Sr. Westman, que absurdo. Não há nada para perdoar.

- No entanto, eu senti que quando pensou que eu tinha outra namorada na América, você se abalou um pouco com isso, caso contrário não teria ficado zangada. Diga, Louise! - ele repetiu a palavra, pronunciando-a vagarosamente.  - Louise...

- Sim?

- Você não acha... talvez... depois de algum tempo, depois que me conhecer melhor...

- Sim?

- Você não acha... talvez... pode ser... você poderia interessar-se um pouco mais por mim?

Silêncio. Ele segurou as mãos dela enquanto ela virava seu rosto.

- Você poderia?

- Talvez...

No dia seguinte Jimmie pediu e obteve permissão para dar outro passeio e que Louise o acompanhasse, o que era uma necessidade devido as tonturas que poderia sentir de repente. O médico duvidou no início e gentilmente ofereceu mandar um ordenança com ele, ou algum soldado convalescente que não estivesse sujeito a "indisposições", mas a consternação de Jimmie foi tão evidente que o médico, por ser muito humano e bom, deu a permissão desejada. Mas, em seguida, preocupou Jimmie ao demonstrar-lhe uma ansiedade desnecessária no caso, através de um suposto medo de que as "indisposições" pudessem ser resultantes de um problema cardíaco.

Jimmie e Louise haviam estudado o mapa de Paris e descobriram que existe realmente uma Rue de la Ex, mas isto não provava nada, pois ele podia ter ouvido esse nome em algum lugar, e a mente subjetiva, com sua memória prodigiosa, podia ter conservado esse nome particular dentre todas as coisas com que está carregada, e reservou sua imaginação que, pelo acidente, foi abalada pela comoção. Jimmie sabia, ou achava que sabia, muito sobre mente subjetiva e cuidadosamente explicou o assunto a Louise enquanto andavam, mas ficou na dúvida se a sua linguagem técnica esclareceu alguma coisa a ela. Mesmo que tenha compreendido, notava-se que seu interesse pelos mistérios da mente subjetiva não era particularmente grande.

Diante de uma determinada casa na Rue de la Ex, eles pararam. A casa estava lá mas isto não provava nada. A porta de entrada estava numa passagem em arco que levava a um pátio interno. Eles tocaram a campainha. O ruído de uma porta anunciou que alguém a abria por dentro. Os instantes seguintes iriam decidir o assunto.

 

 

 

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