13. E se a ROT afinal não desapareceu?

 

 

Nos anos 60 e 70 do século XX, o número de médicos homens nos E.U.A. ainda atingia a impressionante cifra de 93 por cento da totalidade da classe médica. Nos últimos anos esta tendência tem vindo a alterar-se com a crescente participação das mulheres em todos os sectores da actividade humana, mas sobretudo no exercício da missão médica de que estavam arredadas há séculos, como vimos. Na Europa, e mais acentuadamente na segunda metade do século XX, é cada vez maior o ingresso das mulheres nas escolas superiores de medicina, a ponto de tal preponderância assustar os responsáveis masculinos por tais instituições, como ocorreu por exemplo em 2004, em Portugal, em que o presidente do Conselho Directivo do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar e o Bastonário da Ordem dos Médicos manifestaram em público a sua preocupação pela «elevada participação de mulheres nos cursos de medicina». Transcreva-se uma esclarecedora notícia que de tal dá conta, resumidamente:

«Entre tudo, a polémica das quotas de homens nos cursos de Medicina dominou as atenções de estudantes, associações feministas, ordens de Médicos e sindicatos. Tudo começou quando António Sousa Pereira, médico e presidente do Conselho Directivo do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no Porto, defendeu, em declarações ao Público (02/06/2004), a criação de quotas para os homens nas faculdades de Medicina, como forma de promover um maior equilíbrio de sexos na profissão. A Comissão para os Direitos das Mulheres mostrou-se indignada com a ideia. Manuela Ferreira Leite, ministra das Finanças, também. A ministra da Ciência e Ensino Superior, Graça Carvalho, considerou-a “completamente impensável”, justificando que o critério de escolha dos alunos é o desempenho. Recorde-se que no ano lectivo de 2003/04, mais 1500 mulheres do que homens frequentaram os cursos de medicina, o que faz prever um aumento do número de médicas» (Andreia Lobo, in A Página da Educação, ano 13, n.º 136, Julho 2004, p. 24).

Com efeito, este aumento de mulheres na profissão médica é cada vez mais sensível, o que significa no fundo que elas estão finalmente e recuperar a ancestral missão que sempre e tradicionalmente lhes competiu: a capacidade iniciática de lidar eficazmente com tecidos orgânicos. Em Portugal, e de acordo com dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística actualizados em 2007, as mulheres representavam 56,82 por cento dos médicos de medicina geral e familiar inscritos na respectiva Ordem, e os homens 43,18 por cento. Compare-se com as percentagens citadas mais atrás referentes aos E.U.A., e nos anos 60 e 70…

Será esta uma forma de tecer mais eficaz e duradoura do que a simples Iniciação feminina protectiva da antiga ROT? Serão estes, agora, os novos e mais verdadeiros traçados de Geometria Sagrada capazes de proteger o templo-corpo do ser humano das fatais arremetidas das «trevas exteriores»?

A indissolúvel associação da «Eva» com a antiga palavra hebraica hawah, «dadora de vida», não é apenas uma associação poética — é um facto iniciático a que elas não podem fugir, ainda que o ignorem. Medite-se no seguinte dado: de acordo com estatísticas de âmbito mundial, a taxa de suicídios femininos é inferior a um terço dos suicídios masculinos. Se o homem ao nível do sôma e da psychê está mais cingido a thanatos do que a mulher, como sugere — não me atrevo a dizer comprova… — esta última estatística, temos de pressupor que o caminho iniciático das mulheres parece continuar a ser, pelo menos ao nível do sôma e da psychê, diferente do dos homens, uma vez que a via sagrada da ROT é sensível a vibrações ritualísticas diferentes das da via sagrada da ROC. Daí que a Iniciação Maçónica, procedente da ROC, e conforme já salientámos em um capítulo anterior, não convenha às mulheres cujo relacionamento protectivo em relação à vida é dotado de frequências vibratórias mais subtis do que o relacionamento protectivo da competência masculina.

Mas tal não as deve perturbar nem propiciar um certo tipo de reacções «feministas» que no fundo mais derivam do foro mundano do que do foro regular-tradicionista, como por exemplo pretenderem iniciar-se em sociedades cuja qualificação ritual-vibratória está adequada à polaridade somático-psíquica masculina.

(Já agora esclareça-se, entre parênteses, que a disposição canónica que impede as mulheres de acederem à ordenação sacerdotal, na Igreja, é de outra ordem, e configura um impedimento arbitrário e erróneo, ao contrário da não conveniência de se submeterem à Iniciação maçónica: tratando-se de um sacramento cristão, cujos Mistérios repercutem na mente superior e no espírito, e não apenas no corpo físico e no corpo anímico, as mulheres são tão aptas a recebê-lo como os homens, não havendo portanto nenhuma razão esotérica que justifique a interdição, por parte da Igreja, de as mulheres exercerem o ministério sacerdotal. A menos que se aceite a tese dos gnósticos do século II d.C., que os eclesiásticos não tinham atingido o nível pneumático, espiritual ou crístico, e ainda se encontravam no nível psíquico; assim sendo, a iniciação sacerdotal eclesiástica teria de ser sectorizada, ou só para homens, ou só para mulheres. Mas isto ficará para outro artigo).

 

 

14. Tradicionismo de ofício — um rito viável?

 

 

Dissemos mais atrás que uma possível excepção à condicionante referida quanto à  Iniciação feminina na Maçonaria poderia talvez encontrar-se na Carbonária Florestal, sociedade para-maçónica como lhe chamou Oliveira Marques. Os meus parcos conhecimentos da Carbonária não me permitem alongar-me, o que vou alvitrar limitar-se-á a breves interrogações e conjecturas, inspiradas nos textos de Maria Estela Guedes sobre esta temática no site do TriploV, nomeadamente o seu excelente artigo «Maçonaria Florestal Carbonária» para o Dicionário Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal. Sem entrar pelos incertos e ingratos meandros das «origens» — históricas… míticas… — dessa sociedade secreta cuja matéria prima é a madeira (carbono), tenha ela uma milenar origem druida como pretendem alguns, ou tenha surgido no século XI com o conde Teobaldo de Brie que se tornou eremita e foi viver para uma floresta onde aprendeu os segredos de ofício dos carvoeiros («carbonários», de carbono), ou tenha surgido apenas no século XVIII ou mesmo XIX, o certo é que a sua identificação com um material como a madeira a torna de algum modo «parente» da Maçonaria, que trabalha a pedra, pois ambos os materiais, pedra e madeira, são igualmente utilizados na construção da tal «muralha externa» (templo, palácio, casa…) que protege o ser humano da agressiva investida das «trevas exteriores».

Soltando asas à imaginação especulativa, que deduções poderemos aventurar?

 

CRUCIFIXO ALQUÍMICO ROSACRUZ

 REPRODUÇÃO DE UMA AQUARELA DO SÉC. XVIII, AUTOR DESCONHECIDO

 

Comecemos por referir que a palavra «madeira» vem do latim materia, que por sua vez deriva de mater, «mãe»: os antigos entendiam que a árvore era a mãe do precioso material (lat. materies) de construção, e que o seu tronco é verdadeira mãe dos seus multiplos rebentos — folhas, flores, frutos. Eis uma componente misteriosamente feminina, e não menos misteriosamente alquímica (materia prima), à qual a Carbonária não pode deixar de estar associada! Será curioso notar que o Evangelho de Marcos, o mais antigo dos quatro canónicos, ao referir-se ao ofício de Jesus chama-lhe tektôn: «Não é este o tektôn, o filho de Maria e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão?» (Marcos 6, 3). Geralmente, tektôn costuma traduzir-se por «carpinteiro», mas a verdade é que esta palavra tinha então um significado mais abrangente, de operário qualificado da construção civil, podia ser carpinteiro, pedreiro, ou até arquitecto. Ou seja, Jesus poderia trabalhar tanto a pedra como a madeira, poderia ser tanto um maçon como um carbonário… E aqui chegamos ao ponto aonde eu pretendia chegar. Tratando-se a madeira de um material orgânico, ao contrário da pedra, pode ser lidado iniciaticamente por mulheres, de corpo físico negativo e corpo anímico positivo, na linha das curandeiras-médicas e das tecedeiras.

 

A FENIX E A PEDRA FILOSOFAL

J.A.Knapp

 

Por isso me atrevi a presumir, lá mais para trás, que mesmo numa situação tradicionista incerta e de conjectural irregularidade, a iniciação de mulheres na Carbonária talvez não seja tão antinatural como a sua «iniciação» na Maçonaria da Pedra… Será assim? Deixo para outros mais sabedores do que eu a busca e o privilégio de encontrarem a verdadeira resposta.

 

15. Conclusão provisória

 

 

GRUPO DE RELIGIÕES MUNDIAIS

 J.A.Knapp

 

Uma vez fechado este brevíssimo parêntese carbonário, rematemos com uma última observação. Penso que não será por acaso que as mulheres sejam mais sensíveis às diferentes formas de espiritualidade do que os homens, o que revela e confirma precisamente a vocacional admissão iniciática das mulheres na superior Ordem do Caminho, da Verdade e da Vida, ou seja, tanto no seu nível básico protectivo da ROT, como no mais alto nível da Iniciação nos Mistérios Cristãos, inaugurados por Cristo Jesus quando ressuscitou Lázaro (1.ª Iniciação Maior) e quando proferiu a frase fundadora «Eu sou o Caminho, e a Verdade, e a Vida» (João 14, 6) no iniciático Sermão da Ceia.

É por isso que as novas Iniciações nos Mistérios Cristãos, posteriores ao marcante evento do rasgar do véu do Templo, não são sectorizadas, sendo tão adequadamente femininas como masculinas, e abrangem a totalidade dos campos que qualificam um discurso esotérico ou um acto esotérico em quanto tais, ou seja: são simultaneamente astrológicas, mágicas, alquímico-herméticas e cabalísticas.

 

Antonio de Macedo

Bibliografia sumária

 

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Esta comunicação foi apresentada no

VII Colóquio Internacional "Discursos e Práticas Alquímicas". LAMEGO, PORTUGAL - SALÃO NOBRE DA CÂMARA MUNICIPAL 22-24 de Junho de 2007. MEMÓRIA FOTOGRÁFICA ...

www.triplov.org/Coloquio_07/index.htm

 

 

 

 

[1] Referência ao colóquio onde esta comunicação foi apresentada: VII Colóquio Internacional—Discursos e Práticas Alquímicas: «Alquimias do Feminino»,              22 a 24 de Junho 2007, Lamego,   Portugal.

 

 

1.      Os Mistérios antigos

2.      A origem das Ordens

3. A Ordem de Melquisedec e as formas iniciáticas originárias

4.      O estabelecimento das Ordens e os mitos fundadores

5.      As duas linhagens: a do Fogo e a da Água

6. As Ordens sagradas primordiais: cainita e sethiana

7. A ROC e a ROT

8. A deusa-padroeira das Tecedeiras

9. A Ordem de Arachne

10. A decaída de Penélope

11. Um fio tradicional alternativo?

12. Das tradições mesopotâmica e judaica à modernidade ocidental

13. E se a ROT afinal não desapareceu?

14. Tradicionismo de ofício — um rito viável?

15. Conclusão provisória

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